A dura sentença acima é de
um africano convertido na Europa aos 33 anos, chamado Aurélio Agostinho, mais
conhecido como Santo Agostinho (354-430).
De que maneira o pecado é o
castigo do pecado? O castigo do pecado é o vício do pecado. Pecou-se tantas
vezes, apesar de todas as advertências e dos lampejos de graça, que, agora não
há como deixar o pecado. Caiu-se na gaiola e a chave se perdeu. Antes de
Agostinho, disseram solenemente ao apóstolo João: "E quando chegar aquele
tempo, todos os que praticam o mal praticarão cada vez mais; aquele que é
imundo se tornará cada vez mais depravado [...] " (Ap 22.11).
Se a passagem de Apocalipse
dá a entender que esse castigo do pecado é futuro, outros textos demonstram que
ele já tem sido usado por Deus. Veja-se, por exemplo, o pecado como ação e como
castigo na época do exílio babilônico: "Na esperança de que se afastassem
horrorizados, deixei que eles se afundassem no pecado. Eles chegaram a oferecer
seus primeiros filhos como sacrifício aos ídolos. Isso aconteceu para que
ficassem cheios de pavor e reconhecessem que eu sou o Senhor" (Ez 20.26).
Quando não briga mais com o
pecador impenitente e o deixa fazer tudo o que ele quer, Deus não está poupando
essa pessoa, mas punindo-a com o pecado.
A passagem mais clara da
Bíblia (e a mais terrível) que dá roda razão a Agostinho encontra-se no
primeiro capítulo da Carta aos Romanos. A expressão "Deus entregou" aparece
três vezes seguida. Indica uma permissão para que sigam o curso no qual remam,
o que coincide com o termo seguinte ("aos desejos do coração deles").
"Desejos" aí refere-se à "vontade pessoal", que está ligada
à impureza e desonra dos corpos.
1. "Deus entregou os
seres humanos aos desejos dos corações deles para fazerem coisas sujas e para
terem relações vergonhosas uns com os outros" (1.24).
2. "Por causa das
coisas que essas pessoas fazem, Deus as entregou a paixões vergonhosas.. Pois
até as mulheres trocam as relações naturais pelas que são contra a natureza. E
também os homens deixam as relações naturais com as mulheres e se queimam de
paixão uns pelos outros. Homens têm relações vergonhosas uns com os outros e
por isso recebem em si mesmos o castigo que merecem por causa de seus
erros" (1.26-27).
3. "E, como não querem
saber do verdadeiro conhecimento a respeito de Deus, ele entregou os seres humanos
aos seus maus pensamentos, de modo que fazem o que não devem" (1.28).
O que acontece hoje, o que
vemos hoje, o que ouvimos hoje dão uma tremenda força à sentença de Santo
Agostinho: "O pecado é o castigo do pecado". Em quarenta anos (a
partir de um incidente entre homossexuais e a polícia num bar de Manhattan, em
Nova York, em junho de 1969), o movimento gay está generalizando o
homossexualismo, o machismo e o feminismo. Isso mudou da água para o vinho os
costumes, as concepções de certo e errado e as normas religiosas. "Dentro
de período extraordinariamente pequeno" — lembra a historiadora Elizabeth
Fox-Genovese — "ocorreu uma transformação cataclísmica da própria natureza
e sociedade". Todas as manifestações que considerarem a heterossexualidade
normal "serão tidas como ilegais e absurdas e o cristão será considerado
um fora da lei" — acrescenta Peter Jones, um especialista em paganismo.
Esse doutor em teologia pelo Seminário Teológico de Princeton, nos Estados
Unidos, conta que "quinze grupos cristãos católicos e protestantes já
foram expulsos do campus da Vanderbilt, no Tennessee, por se recusarem, em
princípio, a permitirem gays em sua liderança". Um jornalista do canal de
notícia Fox News declarou que “aqueles que se opõem ao casamento entre
indivíduos do mesmo sexo estão do lado errado da história".
Coerente com a teologia de
Paulo, o abandono das relações naturais não foi a gota d'água, mas o resultado
de condutas mais ousadas ainda, como, por exemplo, trocar "a verdade sobre
Deus pela mentira" e adorar e servir às coisas que Deus criou e não ao
próprio Deus (1.25). Não há muita diferença entre Paulo e Agostinho: o primeiro
diz "o salário do pecado é a morte" (Rm 6.23), e o outro diz "o
castigo do pecado é o pecado". Morte e pecado sempre foram irmãos gêmeos.
No entanto, é interessante notar — diz o linguista Ronaldo Lidório — que
"estas fortes afirmações paulinas vêm logo após ele expressar que o
evangelho 'é o poder de Deus para salvar todos os que creem' (Rm 1.16). Isso
deixa bem claro que não se trata de uma acusação gratuita, ou pura observação
da degradação humana, mas de uma constatação de que a epaggelia (promessa do
Messias que está no primeiro verso do mesmo capítulo), agora cumprida no
euaggetion — que é Jesus — é suficiente para salvar a todo aquele que crê,
independente do nível de separação entre Deus e o homem".
Ultimato (Julho –
Agosto _ Ano XLVI _ N° 343)
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